sábado, 19 de outubro de 2013

Um quarto

Tarde quente. Pela janela, o sol invade e pinta/salpica a parede do quarto de amarelo claro. O barulho do ventilador, girando, balançando o tecido da rede azul com branco. Os lençóis amassados. A mesa velha com a tv nova, fios pretos, controle-remoto. Uma toalha seca estendida na cama. Uma estante cheia de livros e agendas e cadernos e utensílios de higiene. Uma mochila cheia de coisas, e uma promessa de partir desse lugar. Nessa paisagem do quarto, a única peça fora do lugar sou eu, tudo parece fazer parte dele e se conformar. Não estou conformada nessa paisagem quente e tranquila. Tudo tranquilo demais, não sou assim. Sentada na cama, rodeada de celular, travesseiros, com meu notebook no colo, penso no porquê de eu parar para olhar ao meu redor e escrever sobre o que estou vendo. Não sei se tenho perdido tempo demais olhando pra dentro de mim e olhado menos para fora. E quando percebo que olho de menos para fora, me sinto tão mal quanto antes. O que tenho feito de mim? O que tenho feito das coisas de fora, das coisas desse quarto?Das coisas da casa? Os objetos tem uma voz tão silenciosa quanto minha voz nesse momento. Eu calada falo bem mais do que tento falar com a voz de fora, para fora. Estranho isso, se acho que tenho falado demais de dentro. Dentro e fora nunca tiveram tão bagunçados. A faxina feita no quarto, ontem, arrumou um pouco da bagunça que me incomodava. Minha estante continua a mesma, não fosse por um livro ganho essa semana, e alguns cadernos que mudaram de lugar. Ontem varrendo por trás do guarda-roupa, cortei o dedo na quina da porta do guarda-roupa. Senti dor, mas nem liguei, até ver minha mão cheia de sangue. Estranho... pequenos cortes que não doem tanto e sangram muito... e não liguei, sinto outras dores e sangramentos piores do que esse, e outras dores que não sangram, mas o dedo ficou bem, coloquei curativo e tá novo de novo. Depois da faxina, o quarto com cara de limpo, de organizado (nem tanto!), de habitável. Cá estou eu, então, habitando esse quarto que já presenciou tantos desassossegos meus. Já presenciou começos e fins, processos, madrugadas insones no telefone, brigas e reconciliações, eu amei nesse quarto, amei meu corpo, amei o corpo dele, amei meus pensamentos, nossas juras, os filmes que já vi aqui deitada, momentos de introspecção como esse de agora... no dia em que eu tiver de ir embora, sentirei falta do que vivi nesse quarto.

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